Mudança .

Todos os dias ele levantava da cama e saía andando totalmente desligado do mundo. Afinal, o fato de se levantar da cama não quer dizer que esteja acordado. Isso só ocorria quando já eram uma 9:00 da manhã e já estava trabalhando.

Seu olhar para o mundo era um olhar de quem não vê muita mudança. E esta sequer lhe interessava. Seguir a rotina já era algo muito movimentado para que ele pudesse se dar conta de que havia algo de mutável no mundo ou pudesse desejar que algo se transformasse.

Então seguia os mesmos passos de sempre. Os mesmos passos de ontem. Os mesmos passos caminhados há uma vida inteira.

Sua cabeça estava fixada numa crença... Ou melhor, um grande dogma inconsciente: “se não se sabe o rumo para onde ir, simplesmente caminhe para onde a estrada principal seguir. Não importam as bifurcações, não importam as vias secundárias, não importa qualquer uma das outras estradas. O risco de se trilhar por elas não compensa a segurança de se seguir por onde já se tem ideia o que vai ser”.
Porém, se preferia seguir sempre na mesma direção, não deixava de sonhar com o desconhecido. Fazia projetos imaginários a todo o instante: montar uma banda de blues, atravessar o seu estado de bicicleta, largar o emprego chato e se dedicar à pintura, que era o que tinha verdadeiro talento.

Mas sempre havia o medo de tudo isso. Parava e pensava e sempre chegava à conclusão de que tudo aquilo não valeria a pena. Montar uma banda seria perda de tempo. Sair de bicicleta seria arriscado. Um caminhão poderia atropelá-lo ou qualquer outra coisa acontecer numa rodovia dessas...

E largar o emprego que tinha custado anos para se firmar? Coisa de irresponsável. E isso ele não era... E imagina só – ele pensava – largar isso para se tornar artista? Além de não ganhar um terço do que ganhava, ainda por cima um monte de gente poderia começar a rotulá-lo. Já até imaginava os comentários preconceituosos que poderiam surgir: “O Carlos virou vagabundo. Não quer mais trabalhar”. “Nossa! O Carlos virou gay. Sim, pois isso de artista...”. “O Carlos?!? Aquele lá só quer saber de rabiscar aquelas porcarias... Ficou louco!”.

Logo, começava de novo a se contentar com sua vidinha, que considerava medíocre. Em sua cabeça rolavam outra vez os zunidos que lhe alertavam sobre o perigo das mudanças e que diziam: “sonhos são ridículos!”, “tudo é como deve ser” e “segurança é tudo”.
Voltava então ao trabalho e se repreendia em silêncio por pensar naquilo:
- Tantos papéis na mesa e eu aqui... viajando nessas bobagens...


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Bom, não sei se consegui deixar claro o queria expôr, mas deixo as palavras de Brecht para finalizar isso aqui.

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como
coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão
organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade
desumanizada, nada deve parecer
natural nada deve parecer impossível de mudar."

Bertolt Brecht

Até a próxima!




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